paginas

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

ZÉLIA DUNCAN - ENTREVISTA AO JORNAL BEM PARANÁ

Entrevista

Zélia Duncan e seis desafios nos palcos

Ela está em cartaz novamente com o espetáculo TôTatiando, em que encena personagens de canções do músico paulistano Luiz Tatit
08/10/12 às 00:00 atualizado às 18:30

Como foi a sensação da estreia do TôTatiando, no ano passado?
Zélia Duncan — Eu me sentia uma garotinha, nunca tinha feito. Ao longo da minha carreira, os riscos viraram uma marca. Várias coisas que eu fiz eram arriscadas, desde cantar com os Mutantes, TôTatiando, cantar só choro num disco. Faço essas coisas para me provocar, para ter o frescor e o desejo de subir no palco depois de tantos anos.

Houve algum desentendimento na sua saída dos Mutantes?
Zélia — Eu saí antes que acontecesse. Caramba, não vivi aquele momento dos anos 1970 com eles e não ia viver um momento para errar, sabe? Minha história não é essa, é fazer parte em um momento. 

Como era a questão musical na sua casa?
Zélia — Minha mãe tem uma voz linda e meu pai também. Eles se separaram quando eu tinha 12 anos. Então, os repertórios também se separaram. Minha mãe fazia serestas em casa com os amigos. Eu era muito criança e me escondia na sala. Às vezes, ela me achava dormindo ali. Eu ouvia coisas muito antigas, então quando comecei a cantar, meu repertório não era nada apropriado para minha idade.

Como foi a decisão de cantar?
Zélia — Superdifícil, porque um artista que ainda não deu certo é sempre um problema na família. Mas minha mãe e meus irmãos me deram força. E eu era muito vira-lata, alguém fazia uma festinha, eu já ficava feliz e seguia. Quando olho minha vida, acho que tudo foi por um triz.

Houve algum momento em que você poderia ter seguido outro caminho profissionalmente?
Zélia — Várias vezes. Quando entrei para a (gravadora) Universal, que me comprou da Warner, eles queriam me levar a Los Angeles para gravar. Eu não queria músicos que iam tocar minhas músicas por cinco minutos. Quero um cara que fique o dia inteiro lá, vire meu amigo. Não fui obrigada a ir, mas no momento que você não faz, naquela época em que a gravadora tinha ascensão sobre tudo, você é um pouco abandonado. Hoje isso não existe. A gente vira meio sócio da gravadora.

Você é de Niterói, mas começou a cantar em Brasília, certo?
Zélia — Eu fui para Brasília aos 6 anos, e comecei a cantar aos 16 na Sala Funarte, hoje Sala Cássia Eller. Conheci a Cássia em um musical do Oswaldo Montenegro. Ela tinha a sobrancelha raspada, aquele cabelo "juruna" e ficamos muito amigas. Eu tinha uns 17 e ela tinha 18, 19. Só que ela veio antes para São Paulo e eu fui pro Rio. Minha mãe era muito amiga da Cássia e da Eugênia (companheira de Cássia). Ela dizia: ‘Zélia, sua mãe é a única coroa que é minha amiga". 

Você foi aos Emirados Árabes em 1991. Como foi a experiência?
Zélia — Um casal de músicos que eu conhecia de Brasília me ligou um dia me convidando para cantar num hotel, de segunda a sábado. Em menos de uma semana eu estava lá. Fiz uma viagem longuíssima, absurda, cantei no dia em que cheguei. Foi como viver outra encarnação na mesma vida.

Foi uma reviravolta na carreira?
Zélia — Foi pessoal mesmo. Lá eu tinha muitos momentos sozinha. Li muito, escrevi muito. Músicas que depois ficaram conhecidas no meu repertório, eu fiz lá. Voltei mais compositora, mais adulta, com músicas importantes do meu repertório como Não Vá Ainda, Sentidos, Nos Lençóis desse Reggae. Em Catedral, estou falando daquele deserto, da experiência.

Seu nome artístico é uma homenagem à sua vó, não é?
Zélia — Zélia é o nome da minha avó. Ela era tudo pra mim. Quando entrei na Warner, usava Zélia Cristina. Esse maldito Cristina foi meu pai que me deu. Ele achava que Zélia era um nome antigo e Cristina, um super jovem. Respingou até na minha irmã, Eliana Cristina. O presidente da Warner na época, Beto Boaventura, sugeriu tirar. Mas Zélia puro me dava estranheza. Duncan é da minha vó. É nome de família, não é inventado.

Você jogou basquete...
Zélia — Antes de cantar, eu jogava basquete no colégio e na seleção de Brasília. Eu levava violão nas viagens. Até que um dia tive de escolher entre um festival e um campeonato. 

Você também corre? 
Zélia — Está uma loucura essa coisa da corrida. Comecei há alguns anos, e uma amiga me inscreveu na Meia Maratona de Nova York. Eu corria só 10 quilômetros. Comecei a treinar e fiz os 21km. Foi uma emoção descobrir o prazer de correr, virou meditação. Já fiz maratonas grandes, meias, e em São Paulo já corri na Ponte Estaiada. 

Como é a relação com os fãs? 
Zélia — Fui aprendendo a lidar com isso, porque quando eu estourei, em 1995, já sabia há muito tempo o que era cantar sem um público grande pra me ver. Tive uma fase de adaptação, porque queria levar o público para casa, agradecer um por um. Sou muito grata às pessoas, mas tenho consciência de que há uma troca. Não gosto que invadam minha privacidade. Não gosto que vão à minha casa. 

Qual é a importância do Itamar Assumpção na sua carreira?
Zélia — Quando eu morava em Brasília, nos anos 1980, meu sonho era vir para São Paulo fazer backing vocal pra ele, para ver a importância que ele tem para mim. 

Você comentou que as músicas que escreve são você. É complicado para o artista se expor assim? 
Zélia - Quando a pessoa entra no meu camarim e diz ‘essa música sou eu’, ela tem razão. Quando ela vem à tona, alguém pega para si. A ideia da música é essa. Isso é quase malvado. Eu sempre vou ser 50%, os outros 50% são de quem ouve. O meu contexto não é o seu contexto, eu me exponho até certo ponto. Você não pode achar que me conhece só porque a minha música te identifica. Você conhece uma parte minha, mas outra não. 

Você apoiou a campanha do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) pelo casamento igualitário. Qual a importância dessa movimentação? 
Zélia - O legal do Jean é você ver a honestidade, a legitimidade do que ele está fazendo. Ele vai de peito aberto, recebe ameaças. Quando ele me disse que ia se candidatar, eu falei: você é um cara tão legal, para que isso? Depois, vi que era justamente o contrário. Ele está mexendo num vespeiro para falar de viver e deixar viver. É tão simples.

Você sente que a sociedade está mais conservadora? 
Zélia - Acho que a gente dá um passo pra frente e três pra trás. As sombras são muito poderosas. Tem de achar muita alegria de viver para não desanimar. É muita gente retrógrada, intolerante, ignorante e corrupta. Em todos os meios, político, religioso. Quando eles se misturam é pior ainda. Eu não sou muito otimista, não. Eu tenho uma coisa que eu acho mais legal que otimismo. Eu tenho esperança. Sou muito cabreira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário