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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Zélia Duncan: Por isso eu corro demais - O Dia Online


Rio - Correr é uma parada pra pensar. Meu momento mais zen na vida. Mais que cantar, pois cantar vem de um desejo muito forte e desejar é, de certa forma, perder a paz. E claro que uma realização sem precedentes. Mas, correndo, descanso de meus outros fortes desejos, como cantar, amar, ser feliz

Gosto do ritual, da preparação. Cada um tem uma maneira-mania. Eu me adaptei, não sem um certo custo, ao cinto de água, preciso sempre dele. Água e isotônico, pra repor um pouco do que se perde. Nas corridas mais longas, um gel repositor. Quando estava treinando pra Maratona de Chicago, em 2010, outras coisinhas rolavam, todas receitadas por uma nutricionista bacana. E tem o relógio pra marcar distâncias, que virou meu maior companheiro, pois com ele, um bom tênis, protetor solar, corro em qualquer lugar (desculpem a rima!). 

Muitas vezes, quando chego na véspera de um show, seja onde for, me informo e dou uma corrida cedinho. Depois de comer algo, claro. É também uma maneira de conhecer os lugares, sentir o cheiro, ser um pouco da paisagem. Quando estou num lugar e vejo alguém correndo, meu corpo me manda mensagens do tipo: “E nós?” É que esse prazer imenso que a corrida proporciona, só quem pratica compreende de verdade. Quando eu digo que já corri cinco meias (21 km), uma de 25 km (SP) e uma inteira (42 km), fora todas as pequenas e os treinos, a maioria arregala os olhos e me olha como se eu estivesse dizendo que buchada de bode é a melhor refeição do mundo. E não é, pra quem gosta e compreende o gosto?

Na turnê do Prêmio de Música Brasileira, em que cantamos Noel Rosa pelo Brasil afora, meus colegas sempre me encarnavam, pois eu, vira e mexe, passava por eles antes ou depois da corrida, ou melhor, contava que tinha corrido de manhã cedo. Lenine levantava os braços: “Você é nosso orgulho”; Arlindo Cruz balançava a cabeça: “Zelinha, eu não te entendo!” Outra vez, ele me perguntou a que horas eu tinha levantado naquele dia e quanto tinha corrido. Eu disse: “Hoje acordei meio tarde, fui correr às 9h e só 8 km”. E ele disparou: “Ih, tá relaxando, precisamos fazer uma reunião!”.

Também me divirto, pois, na fase de treino mais intenso, sempre encontro alguém que diz que me viu correndo. Vizinhos, colegas, amigos, familiares, todo mundo me encontra por aí correndo. Outro dia , na Lagoa, um carro passou buzinando, fazendo a maior folia pra mim. Era meu parceiro Christiaan Oyens, com a filharada: “Não pare, Dinda Zélia!”

Já tomei chuva correndo e fiquei doente, mas foi só uma vez. Tomo muito cuidado, pois preciso da minha voz! As alegrias são muito maiores. Correndo, sou paisagem, sou abstração, minha cabeça e meu corpo agradecem. Meus joelhos nem tanto, mas cuido deles também e eventualmente canto pra mim, “Por isso eu corro demais, sofro demais, corro demais...” Ah, e viva a buchada de bode!
Zélia Duncan é cantora, compositora, maratonista e estreia 
o show ‘Pelo Sabor do Gesto – Em cena’ dia 21

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